Monday, February 15, 2010


Mattos, Carmen Lucia Guimaraes de. A abordagem etnográfica na investigação cientifica. UERJ, 2001

Ao longo do texto a autora (p1-2), para além de definir a etnografia como o estudo dos padrões mais previsíveis do pensamento e comportamento humanos manifesta em sua rotina diária, fatos e/ou eventos menos previsíveis ou manifestados particularmente em determinado contexto interativo entre as pessoas ou grupos, ela procura demonstrar a contribuição da etnografia na investigação cientifica de estudo qualitativo, particularmente das desigualdades e exclusões socias. Para ela, fazer etnografia implica:

· Preocupar - se com uma análise holística ou dialética da cultura, isto é a cultura não deve ser vista como um mero reflexo de forças estruturais da sociedade, mas como um sistema de significados mediadores entre as estruturas sociais e ação humana;

· Introduzir os atores sociais com uma participação ativa e dinâmica e modificadora das estruturas sociais;

· Preocupar - se em revelar as relações e interações significativas de modo a desenvolver a reflexividade sobre a ação de pesquisa.

De acordo com Mattos (p2), “Tanto a etnografia mais tradicional como a moderna, envolvem longos períodos de observação, um a dois anos, preferencialmente.” Este período é necessário para o pesquisador entender e validar o significado dos dados de forma que este seja o mais representativo. Mas para entender o significado da etnografia aplicada a pesquisa social e educacional, é preciso entender a distinção entre a etnologia a etnografia. Estas duas abordagens se unem pelo interesse comparativo e a conexão histórica que possuem.

A etnologia é o estudo comparativo do modo de vida dos seres humanos. Apareceu nos estudos antropológicos ingleses, 50 ou 60 anos antes de aparecimento da etnografia. Por sua vez, a etnografia é o estudo observacional mais holístico do modo de vida das pessoas. Ela é a especialidade da antropologia que tem por finalidade estudar e descrever os povos, sua língua, raça, religião, e manifestações matérias de suas atividades. (p.3-4) Ela é parte ou disciplina integrante da etnologia, ela é a forma de descrição da cultura material de um determinado povo.

O autor salienta que “ a descrição da etnografia depende das qualidades de observação, de sensibilidade ao outro, do conhecimento do contexto estudado, da inteligência e da imaginação cientifica do etnógrafo” (p.4)

A etnologia e a etnografia distinguem-se nos estudos de casos comparativos. A etnografia se interessa pelo estudo do particular para o geral, método indutivo. Ou seja procura analisar detalhadamente todos os tipos de variações que ocorrem dentro de uma sociedade local de uma ordem social ou um grupo de pessoas que se reúnem para socializar. (p6). Ela procura descrever os fenômenos de uma forma densa, completa e procura interpretar o significado das perspectivas imediatas que eles têm do que eles fazem.

Nos estudos da linguagem, a etnografia usa a mico análise etnográfica, para estudar um evento ou parte dele, ao mesmo tempo em que dá ênfase ao estudo das relações sociais em grupos como um todo, holisticamente. A micro análise etnográfica é caracterizado como: sociolingüística da comunicação, micro análise sociolingüística, sociolingüística interacional, análise do contexto, análise de discurso, análise da conversação” (p.5)

Ela exige do pesquisador “um detalhadamento criterioso na descrição do comportamento através da descrição lingüística verbal e não verbal do comportamento – olhares, pausas, tom da voz, detalhes da interação e o que isto significa (p.5). E a procura da totalidade das variações manifesta numa ação, fato, fenômeno, ou a situação na qual estamos interessados. (p8).

Na perspectiva dialética da relação ecológica entre os vários atores sociais ou grupos numa comunidade ou instituição, movimento histórico vivenciado pelos atores sociais num determinado espaço de tempo, procura-se estudar as relações entre os vários fenômenos e não apenas um fenômeno particular. (p.8)

A etnografia apesar de basear-se na abordagem dialética que privilegia a totalidade dos fenômenos e não o tratamento isolado, ela procura as vezes usar a estatística como método de tratamento de dados de uma forma sensível para análise etnográfica. (p.9)

De acordo com a autora (p.10), na abordagem dialética da análise de um contexto devemos evitar o estudo de um fragmento da fala isolado, destacado do que esta significa para a pessoa que falou e para as outras pessoas dentro do contexto. Devemos observar em detalhe a ação verbal e não verbal na cena em que ocorre a interação e o evento de fala.

Entende-se aqui por “interação como um processo que ocorre quando pessoas agem em relação recíproca, em um contexto social”, porque existe uma nova atividade acontecendo a cada momento, existe um novo momento da historia ocorrendo a cada movimento social cotidiano. Este conceito implica distinção entre ação e comportamento (p10). “Comportamento implica tudo o que o individuo faz. A ação é um comportamento intencional baseado na idéia de como outras pessoas a interpretarão e a ele reagirão”. (idem)

Ao pesquisarmos a organização dos processos de interação é interessante estudarmos como as pessoas em interação formam ambiente um para o outro, até mesmo além do limite desta interação imediata, onde sempre existe o interesse nas relações ambientais ( p.9)

Ao finalizar o autor demonstra que a ironia da abordagem etnográfica é o que o etnógrafo tenta fazer continuamente: falar sobre organização da interação no contexto de modo que esta fala seja significativa para os autores sociais que estamos investigando ( p.10). Esta é uma tarefa muito difícil “pois procura-se usar termos que são os mais próximos possíveis daqueles usados pelos autores sócias, termos que eles usariam se lhes fossem permitido falar” (p11)

Ao escrevermos uma narrativa, temos que colocar os atores como eles se apresentam sob a perspectiva deles. Para isso é importante se conhecer o significado local da ação. (Idem)

Ela chama atenção de que, a irônica dificuldade deste trabalho é que, apriori, nunca conseguiremos dar conta da tarefa – descrever o outro sobre o ponto de vista dele mesmo. Na melhor das intenções, podemos chegar mais perto da ação que esta realmente acontecendo, mais isso não é suficiente.

VIDICH, Arthur J.; LYMON, Stanford M. Métodos Qualitativos: sua historia na sociologia. In: DENZIN, Normam K.; LINCOLN, Yvonnas S. O Planejamento da pesquisa qualitativa: Teorias e abordagens. 2ª Ed. Porto Alegre: Artmed, 2006

Ao longo do texto o autor procura demonstrar a origem da etnografia ligada à sociologia e antropologia na preocupação de compreender o “outro” e como elas serviram os interesses da igreja e dos governos ocidentais em diferentes épocas e contextos.

No final ao analisar alguns desafios que a etnografia tem enfrentado na atualidade, ele refere que os etnógrafos, libertos das amarras do passado, hoje dão mais atenção aos relatos feitos pelos nativos a cerca dos seus descobridores ocidentais e desprivilegiam os relatórios apresentados pelos descobridores com base na metodologia indutiva e não comparativa como no passado.

Para VIDICH, Arthur J.; LYMON, Stanford M. (p.52), o termo etnografia refere-se a subdisciplina da antropologia descritiva. Em sentido lato ela é a ciência que descreve o modo de vida da humanidade. Como ciência ela é a descrição cientifica social de um povo e da base cultural da sua consciência de unidade enquanto povo.

No século XV e XVI a etnografia desenvolveu-se no âmbito de interesses das potencias ocidentais em estudar a origem da cultura e da civilização dos povos ditos “primitivos” por serem menos civilizados do que eles.

Na época renascentista ela se preocupou em explicar as origens dos “outros”, as historias e o desenvolvimento de uma multiplicidade de raças, de culturas e de civilizações, devido a diversidade racial e cultural. (idem)

Entre os séculos XVII e XIX, os missionários, exploradores e administradores colônias passaram a descrever e avaliar a cultura do “outro’ nas colônias com objetivo de conhece-lo para dominar e “civiliza-lo”. Nesta fase os etnógrafos sentados nos seus gabinetes, baseavam nos relatos destas individualidades que iam ou estavam no campo para fazer a etnografia.

A mesma visão de descrever o “outro” sob a perspectiva dos conquistadores euro-americanos e dos seus aliados missionários encontramos também entre os etnólogos no mesmo período (sec. XVII e XIX) no continente Americano, particularmente no EUA, em relação a cultura dos índios (indígenas). (p.57)

No entanto, devemos referir que, a etnografia de diversas tribos indígenas (índios) foram escritas por etnólogos a serviço do Bureau of Indian Affairs ( BIA_ Divisão dos assuntos indígenas) (idem)

Esta visão de estudar o outro como primitivo ate certo ponto foi influenciado pelas idéias de Augusto Comte. Para este autor , a compreensão da relação de modo de vida do ocidente com a dos outros povos, devia ser analisada segundo o método comparativo. De acordo com ele “o estudo da evolução da cultura e da civilização postulavam-se em três estágios: selvagem (primitivo), barbárie e civilização. E firmava-se na idéia de que os povos e as culturas do mundo podem ser organizadas diacronicamente, formando uma grande corrente de ser (p54-55). Além do mais, são interpretáveis como elos ordenados nessa corrente, marcando o decorrer das épocas a medida que essas sociedades deixavam de viver em uma cultura primitiva e partiam para a civilização moderna. A imposição de uma estrutura eurocêntrica de desenvolvimento preconcebidos simplificou bastante o trabalho do etnógrafo, o qual assumiu a tarefa de um classificador de traços de culturas em transição ( p55).

No final do século XIX e principio do século XX nos EUA através de um levantamento estatístico com finalidade de determinar o numero de habitantes de cada credo religioso, nacionalidade e raça, e os problemas de adaptação de cada grupo, o “ outro” foi transformado em agregado estatístico e relatado em um censo tabelar de estilo de vida exótico. A elaboração dos relatórios quantificados desse levantamento, foi patrocinado no principio pela igreja do leste dos Estados unidos, e posteriormente por corporações envolvendo imigrantes e negros e posteriormente pelo governo. (p59). A igreja estava interessada na “reforma da moral” e na adaptação social dos recém chegados (imigrantes) e das populações do gueto (negros) . Assim, com a missão crista teve origem a pesquisa qualitativa. (idem)

Segundo o autor (p59), a “a coleta e análise dos fatos sociais eram tanto atividade religiosa como cientifica oferecida como uma forma de oração pele redenção de pessoas de pele escura”

O primeiro estudo etnográfico (O negro da Filadélfia) nos EUA sobre a população negra, que visava não apenas descrever mas apresentar propostas de melhoria das condições sociais, foi realizado por W. Du Bois). (idem)

No principio do século XX , a Helen e Robert Lynd receberam patrocínio da a igreja e algumas corporações para estudar a comunidade de Middletown. Neste estudo “o outro” (comunidade de cidadãos americanos) foi abordada da mesma forma que um antropólogo lida com uma tribo primitiva.

Em 1937, na sua obra sobre Middletown in transition: Study in cultural conflicts, os Lynds promoveram uma mudança do foco sociológico em relação aos valores religiosos para políticos (p.60). Referir que mesmo antes do estudo de Lynds, a etnografia enquanto método de pesquisa já havia se identificado com a sociologia no departamento de sociologia da Universidade de Chicago. Durante mais de três décadas a etnografia urbana no departamento de Chicago concentrou-se na descrição dos problemas sociais, políticos e culturais da área natural do gueto, favelas e pequenas cidades. (p.61)

Nos meados do século XX, Franklin Frazier (p.63), em seus estudos sobre o “outro” negro norte americano como cidadão, baseando-se na historia de vida dos sujeitos e da sua experiência pessoal, destaca a exclusão social dos negros do ideal americano.

Por sua vez, William Foote White através da observação participante em Corneville deu uma nova contribuição etnográfica na escola de Chicago ao descrever os dados de campo a partir da perspectiva de suas relações com os sujeitos estudados, onde o outro passou a ser um pesquisador e irmão dos moradores do gueto (p.63)

Na década sessenta, nos estudos da minoria étnica e raciais, os etnógrafos passaram a estudar também o “outro” no processo e progresso de assimilação, da aculturação e da amalgamação entre o multiuniverso dos povos da America.

No século XX com o fim do colonialismo em África e Ásia, surgem criticas contra a corrente etnocêntrica ocidental, particularmente na idéia do “primitivo” e de toda a linha de raciocínio etnológico que o acompanhou.

Diante da diminuição de trabalho de campo, os recursos foram canalizados para estudos de lingüística, banco de dados de arquivo de Yale ou a descobertas de possibilidades etnográficas para investigações antropológicas da sociedade americana. A antropologia volta para casa, retorna ao estudo da sua própria sociedade. (p56)

Durante a guerra fria começou a surgir mudanças em vários países do mundo, passando adotar uma nova estrutura institucional social, política e econômica. É com base neste padrão que os cientistas sócias passaram avaliar a evolução da humanidade. Esse novo padrão proporcionou o etnógrafo analista uma nova medida para avaliação do programa do outro. (idem)

Atualmente o método etnográfico não é utilizado mais para servir os interesses colônias, da igreja, corporações ou do governo como no passado com uma visão eurocêntrica e sua inadequação metodológica (através do método comparativo comparavam a cultura do “outro” dito povo primitivo com a cultura ocidental, considerada povo civilizado). Os etnógrafos hoje declaram-se auto libertos das amarras do passado. (p.69) E enfrenta o desafio de não ser um mero observador da história, mas participar das narrativas reais do campo, pois a nova etnografia abrange diversos temas que são limitados apenas pela variedade da experiência na vida moderna (p.73) Para o efeito, ele deve desconstruir todas as teorias e discursos estabelecidos a favor de um ceticismo critico abrangente em relação ao conhecimento. E procurar liberta-se do seu medo de tornar-se um “primitivo no campo” e lutar contra a afirmação de que a imaginação eurocêntrica atende praticamente todos os relatos do mundo “primitivo” (p71)

Através do método indutivo, o etnógrafo pós moderno concentra-se na mídia que confere a imaginação a vida real ou seja a representação. Ao mesmo tempo enfrenta o problema da imparcialidade do investigador e do sujeito, pois somos afetados pelo nosso sistema de referencia e do contexto em que estamos inseridos (p.70)

Magnani, Jose de Cantor. Discurso e Representação, ou de como os Baloma de Kiriwina podem reencarna-se nas atuas pesquisas.In: Cardoso, Ruth C. L Aventura antropológica: Teoria e Pesquisa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977

O autor procura ao longo do texto mostrar como o instrumento de representação é usado por Bronislaw Malinowski quando analisa as crenças dos Trobriandeses nos baloma, espírito dos mortos, em Kiriwina.(p.127)

Segundo Magnani ( p.139), representações são experiências individuais decorrentes da realidade social em que o ator esta imerso, realidade esta que se apresenta sob forma de círculos concêntricos: famílias, rede de vizinhança, o bairro, categoria Professional, partido, classe social, etc.

Para ele (p.128) a representação é determinada pelas crenças, pelas condições sócias de inserção dos agentes e ela se manifesta através de discursos colhidos em entrevistas abertas, entrevistas dirigidas e historia da vida. Em seguida discute até que ponto são oportunas as suas observações para as atuais pesquisas.

Para reconstruir a crença dos kiriwineses em relação aos espíritos dos mortos, Malinowoski (p.130), procurou a analisar o senso comum, a opinião dos especialistas, as especulações, comentário dos informantes e determinados costumes e rituais públicos dos nativos durante essas cerimônias assim como o comportamento motivado pelas crenças.

No principio da sua análise ele depara-se com dois tipos de crenças referentes à vida pós morte: A primeira afirma que o espíritos do morto, baloma, dirigi-se a Tuna, pequena Ilha a noroeste das Ilhas Trobriandes. Nesta Ilha eles tem uma vida bem definida, passeiam na aldeia, recebem oferendas, podem ser visitados e vistos em sonho ou vigílias. E a segunda que o espírito ( Kosi ), vive uma existência precária perto do povoado, vindo a desaparecer depois de algum tempo. Apesar da discrepância, subsistem as duas crenças, pois, os nativos manifestam certo temor diante dos kosi, espécie de espírito irreverente que se dedica a pregar partidas: a noite atira pedra e faz barulhos aos transeuntes. Mas eles temem os “ muluknausi”, bruxas que tem o poder de tornar-se invisíveis, dedicam-se a comer as entranhas dos mortos e podem fazer mal aos vivos ( p.130)

E ao mesmo tempo eles se apegam aos baloma porque eles desempenham um papel importante na magia, e voltam à vida através do processo de reencarnação. Através de dogmas, eles são vistos como seres “semelhantes aos homens,” pois comem, dormem e tem relações sexuais. (idem (p.131)

Malinowoski (p.135), concluiu que não estava diante de um dogma positivo, conducente a ritos e costumes, mas de uma ausência de conhecimento, que, no entanto não pode ser interpretado como sinal de incapacidade mental do primitivo.

Conclusões metodológicas

De acordo com Magnani (1997: 136), “Todas as crenças, na medida em que estão implicadas no costume e tradição dos nativos devem ser analisadas como objeto fixo e invariáveis” Pois elas constituem o dogma do credo nativo, ou idéias sócias da comunidade, “na medida em que se contrapõem as idéias individuais”

Pelo fato de elas serem idéias que estão presentes nas instituições, devem ser formuladas explicitamente pelos nativos e reconhecidos por eles mesmos como realmente existentes naquelas. Para além das tradições e instituições que homogeneízam as crenças, deve-se prestar atenção na conduta geral dos nativos para com o objeto de uma crença. Para compreender o credo de uma determinada sociedade é preciso estudar também as opiniões individuais e interpretação dos dogmas.

Em relação às contradições, em primeiro lugar deve-se distinguir a versão dos especialistas, guardiões do saber oficial, pois suas opiniões têm uma base tradicional e aos olhos dos nativos representam a interpretação ortodoxa das crenças.

Em segundo lugar deve-se distinguir a opinião publica (o senso comum da comunidade) das especulações privadas e individuais. As idéias sócias ou dogmas são crenças incorporadas em instituições, costumes, formulas mágico religiosas, rituais e mitos. Elas provocam reações emotivas e expressam uma conduta (p136)

Magnani (p139), ao finalizar, faz criticas aos trabalhos atuais por muito deles o discurso dos atores constituírem o único meio de informação em detrimento de outras formas de obtenção de dados. “No entanto, como todo e qualquer dado, os depoimentos não falam por si só, há outras “praticas significantes” e é do entre jogo de relação entre essas praticas que se pode reconstituir o significado” Para ele o discurso e a pratica são pistas diferentes e complementares ao mesmo tempo para a compreensão do significado. Por isso, devemos fazer análise de diversas fontes, do senso comum ( as idéias e crenças ) e das informações oficias incorporadas em instituições e condutas.

Sunday, March 18, 2007

Restabelecimento e a Natureza do Inkatha, 1975-1994

Inkatha foi um movimento dinástico e cultural dos anos vinte que ressurge em 1975 no Kwazulu Natal como um movimento de massa fiel a Buthelezi na luta contra o apartheid. E este usou o nacionalismo Zulu, o etno-nacionalismo, educação e a violência contra os seus opositores para consolidar o Inkatha como a única organização capaz de representar e liderar o povo Sul africano, em particular, os zulus na luta contra o अपर्ठेइड

Contextualização
Para uma melhor compreensão sobre este movimento de massa que ressurge em 1974, é imprescindível recuar no tempo, nomeadamente em 1920 para observarmos a origem deste movimento. Visto que algumas características e estruturas fundamentais voltam a reaparecer em 1975 quando se forma o segundo Inkatha que iremos abordar.
Os primeiros passos para a formação do Congresso Nacional Zulu mais tarde renomeado Inkatha, inicia com o Rev. Samuel D. Simalane que vivia no distrito de Nongoma, do chefe Mathele Buthelezi ( Zululândia) e alguns indivíduos proeminentes que viviam no distrito de Vryheid e Ngotshe ( norte do Natal).
Em 1921 acompanhado pelo conselheiro da família real Zulu, Mnyaiza Kandabaku, Simelani pediu uma permissão oficial ao governo do apartheid, para discutir com o chefe comissionario dos nativos (africanos), como é que os Zulus poderiam responder a Native Affairs Act de 1920. Neste encontro realizado a 21 de Março, Simelane disse que tinha o apoio total do rei Zulu para organizar um encontro anual de acordo com a lei de 1920, para discutir questões relacionadas a promoção da assistência social ao povo. Para o efeito, pediu permissão para a criação de uma cooperativa agrícola na Zululândia. (Cope, 1990:444)
Esta petição de Simelane favorecia mais os zulus do Natal (Kholwa-africanos cristão) e chefes tribais que queriam ter terras e fazendas para desenvolver actividades comercias. Por isso criou-se um Fundo Nacional que angariava fundos para canalizar em projectos de agricultura. Este fundo era controlado por Simelane (secretario), Monkulumana ka Samaplunga Ndwandwe (tesoureiro) e Mnyaiza ( presidente). ( idem:445)
O rei Salomon ao dar total apoio a Simalane tinha objectivo de ressuscitar a unidade e respeito que o povo tinha aos membros seniores da tribo, chefes e a família real zulu. Ao mesmo tempo a pequena burguesia africana no Natal ao criar este movimento cultural pretendia usar o tradicionalismo zulu como um instrumento politico para o desenvolvimento económico. (Maré e Hamilton, 1987:46)
Foi a partir de 1923 que o nome inkata passou a ser usado para descrever este movimento cultural que Simelane dirigia.[1] A primeira reunião deste movimento realizou-se em 1924 na residência do rei Salomon. Nesta reunião, apequena burguesia africana do natal, a elite tribal e uma parte da comunidade kholwa do Natal lançaram oficialmente o inkata como um movimento dinástico e cultural que iria manter a nação zulu firme e unida. (idem: 1990: 448).
Em 1928 este movimento rejuvenesceu através da criação de uma nova constituição, escrita pela pequena burguesia e a elite tribal com apoio de alguns advogados brancos de Durban que operavam por detrás desta organização para obter o açúcar do Natal. Esta constituição desenhada por J. H. Nicholson, que foi incentivado por George Heaton da União dos plantadores da África do Sul e Zululândia e os grandes segregacionistas, assegurava também os interesses da pequena burguesia conservadora Africana e a elite tribal.
Os farmeiros comerciantes e cultivadores brancos incentivaram Nicholson a elaborar uma nova constituição porque também pretendiam “retribalizar” a sociedade zulu e estabelecer laços mais estreitos com a elite tribal e particularmente a família real Zulu cuja os interesses convergiam. E para conseguir esta "retribalização" Estado já havia decretado em 1927 a “Native administration act”. Com esta lei os agricultores regionais com prenderam que para impor os seus interesses era necessário garantir a mão-de-obra barata zulu que se estava perdendo na industria mineira.( Maré e Hamilton, 1987:49)
Para além disso este primeiro inkata apesar de ser um movimento cultural dinástico que representava a nação zulu, alguns dos seus lideres eram membros do ANC e por isso não se impunham a esta organização. Caso do John Dube, que foi presidente do ANC e membro do Inkatha.
[1] O Inkatha original era uma corda real enrolada com tecidos de ervas contendo ingredientes de significado místico, que representava a unidade, pureza espiritual da nação, o poder supremo e símbolo do reino Zulu। Este Inkatha original foi passando de rei para rei até 1879, altura em que os britânicos destruíram a residência do rei Cetswayo em Ondini (Ulundi)। O Inkata tinha objectivo de manter firme a nação Zulu. A corda enrolada simbolizava a união do povo porque só assim eles não estariam dispersos. (Marre, Hamilton, 1990:448)

Conclusão
Ao finalizarmos a nossa analise sobre este movimento dinástico e cultural dos anos vinte que ressurge em 1975 como um movimento de massas fiel a Buthelezi na luta contra o apartheid dentro do bantustão de Kwazulu Natal, devemos faze-lo em três grandes fases; 1975-1979; 1980-1989; 1990-1994
Na primeira fase de 1975 até 1979 encontramos um Inkatha moderado, liderado pelo chefe Mangosuthu Gatsha Buthelezi, membro da família real e primeiro ministro do Kwazulu, um tanto quanto acomodado no seu objectivo secreto( ate ai) de transformar o seu movimento numa única organização capaz de substituir o ANC na exílio na liderança do povo zulu em particular. Estas evidências começam aparecer logo após a formação do Inkatha, quando Buthelezi afirma que todo o povo Zulu é automaticamente membro do Inkatha. Estes discursos nacionalistas tinham maior impacto nas zonas rurais que urbanas. Para além da história, língua, orgulho, respeito, o seu discurso etnonacionalista baseava-se na identificação dos zulus como zulus antes de ser africano.
Outras evidencias estão patente nas campanhas anti-SAIC(Conselho dos indianos da África do Sul) por este não se filiar no SABAC( União dos Negros da África do Sul) na luta contra o apartheid. Para alem disso devido a política de violência, sanções, desistabilização governamental, protagonizada pelo ANC no exílio e um referendum que demonstrou que a maior parte dos zulus estavam com o Inkatha, Buthelezi em 1979 em Londres, cortou relações com o ANC no exilo, visto que aparentemente os seus objectivos já estavam a se materializar
A segunda fase que inicia em 1980 vai demonstrar que o Inkatha não é o único movimento que representa as massas na luta contra o apartheid. Estas demonstrações ocorrem através de estratégias da luta armada, sanções e desestabilização defendido por ANC, PAC e outras organizações que surgem depois da legalização dos sindicatos para os negros em 1979 por Pieter Botha, tais como a COSATU.
Este é um período que o apartheid devido a violência praticado por membros do Inkatha com o aval da policia, principalmente nas escolas por estas serem consideradas centros de rebelião por não aceitarem as reformas educacionais introduzidas por Inkatha que servia para fomentar o tribalismo, decretou entre 1984-1986 o estado de emergência. Mas com o apoio da policia o Inkatha consegue consolidar-se a nível regional e descobriu que os seus inimigos não eram somente os oponentes políticos mas também os zulus que rejeitavam a versão etnicidade politizada.
Frederik de Klerk, presidente substituto de Pieter Botha, que se demitiu por questões de saúde, inicia esta ultima fase dando continuidade as reformas do seu antecessor. Por um lado isto deveu-se a pressão da comunidade internacional e a instabilidade interna. Logo após a toma de poder em pouco tempo, legalizou os partidos que haviam sido banidos( ANC, PAC e partido comunista), libertou Nelson Mandela, eliminou as ultimas leis do apartheid e acima de tudo iniciou negociações com ANC e outras organizações para marcação de primeiras eleições multirraciais e democráticas.
Apercebendo-se que a maior parte do povo Zulu estava a favor de Mandela(ANC), Buthelezi e De Klerk tentaram inviabilizar o processo de negociações para a realização de eleições. O primeiro através de fomentação de conflitos e violências de carácter étnico no Transval, com excepção do Natal e centros industriais, acusando Mandela de ser xhosa e querer dominar os zulus. O segundo tentou através da realização de referendum e aliança com o Inkatha a qual culminou no escândalo que ficou conhecido como Inkathagate. Mais depois de vários acordos assinados e impasses realizaram-se eleições em 27 de Abril de 1994, que demonstrou que o Inkatha não representava a vontade do povo zulu no geral, através da vitoria de Nelson Mandela e ANC.


Cronologia

1924-Criação do primeiro Inkatha
1943-Formação da Liga da Juventude
1959- Formação do Congresso Pan-Africano(PAC)
1960-Massacre de Shapervelle
1961-África do Sul é declarada Republica. Baneamento do ANC e PAC.
------ Nelson Mandela forma Unkhonto we sizwe.
1963-Nelson Mandela é condenado a prisão perpetua
1975-Restabelecimento do segundo Inkatha
1976-Estudantes de Soweto e outras cidades revoltam-se contra a educação bantu
1979 –Buthelezi e Inkatha cortam relações com ANC.
------- Pieter Botha legaliza a formação de sindicatos para os negros na África do Sul.
1983-Fundação da Frente Unida Democrática (UDF)
1984-1986-Declarado Estado e emergência pelo governo do apartheid devido a resistência em todo ao pais.
1985-Formação da União dos Trabalhadores Comerciantes da África do sul. ( COSATU)
1986-Formação da União dos trabalhadores Unidos da África do Sul. (UWUSA)
1989-F. De Klerk substitui P. W. Botha na presidência da África do Sul.
------Forma-se o partido democrático. E lançasse o movimento Pan-Africanista.
1990-O presidente De Klerk liberta Nelson Mandela, reaciona o ANC, o PAC e o SACP.
----- Iniciam-se negociações para uma constituição democrática
1990-1992-Periodo mais violento do regime do apartheid nas estalagens do Natal, Transval e centros industriais.
1991-Formação da CODESA (Convenção para a Democracia da África do Sul)
1992-Quase 70% dos brancos votam a favor do referendum pedido por De Klerk para continuar com as reformas.
1994-Realização de primeiras eleições democráticas não-racial para um governo de unidade Nacional.
-----Nelson Mandela torna-se Presidente com Thabo Mbeki e F.W.de Klerk como vice presidentes. M. G. Buthelezi torna-se ministro do interior.

Fonte: Maré, G. Hamilton.G. An appetite for power: Buthelezis Inkatha and politics of loyal resistance. Johannesburg: Ravon Press, 1987:45-208
Eads, Lindsay Michie. The End of Apartheid in South Africa. London: Greenwoods Press, 1999; 60-71
BASKIN, Jeremy. Striking Back: History of COSATU. Johannesburg: Ravan press, 1991: 21-112
READERS DIGEST. Illustrated history of South Africa: The Real History. 2 ed. Cape Town: The reader’s digest association limited, 1992: 368-369.




Saturday, March 17, 2007

A relação entre o Estado e a igreja Católica em Moçambique, 1975-1986

Apesar da igreja católica ter abandonado o regime concordatario com o fim do regime fascista em Portugal, logo após a independência de Moçambique, ela continuou a ser conectada durante algum período pelo novo governo de Moçambique (Frelimo) de ainda estar ligada ao antigo regime colonial português. Como resultado disso a relação entre o Estado e a Igreja Católica caracterizou-se por um clima de grande tensão durante este período, particularmente entre 1977 a 1979. Visto que ao assumir a ideologia marxista-leninista logo após o 3 congresso, o Estado passou a desenvolver uma posição anti-religiosa, critica e semi-oficial. para com as igrejas, em particular, a igreja católica por esta ter legitimado e auxiliado o colonialismo português no passado e estar a contra atacar esta posição anti-religiosa do Estado. Mas a partir da década 80 observa-se um amainar da tensão entre o Estado e a Igreja Católica devido a diversos factores tais como: o papel desempenhado pela igreja católica na ajuda humanitária, a pelo a paz; as calamidades naturais e a intensificação da guerra pela Renamo. ( Resistência Nacional de Moçambique)